Cena 1
Artista: _Eu morri! Morri naquele dia onde todos dormiam.
Desde então tenho a falsa impressão do meu corpo envelhecer, assim como as
pessoas em minha volta, mas me sinto assim... Um espectro vagabundo. Minha irmã
que era criança já teve filha, minha filha já é mulher, minha mãe uma velhinha
e eu aqui, no meio de tantas mulheres, sem vida, não envelheço. Não digo a
vocês estas coisas para terem pena de mim, que saibam que tenho eu mais pena de
vocês. Vocês estão presos nesta redoma, eu saí! Eu vi a vida do outro lado!
Primeiro vi a luz e me iluminei. Depois vi demônios por todos os lados, nas
pessoas que passavam, só então tentei fugir, e estou aqui (minuto de silêncio e
aplausos).
Doutor: _Acho que esta cena vai ficar ótima no Movimento
Antimanicomial, esse ator é ótimo! Qual o nome dele?
Assistente: _Doutor, acho que não é ator não, acho que é um
ex paciente nosso aqui do CAPS.
Doutor: _Sério? Bem... Acha que podemos usá-lo? Digo para a
próxima manifestação? Precisamos conversar com ele. Eu vou conversar com ele,
qual o nome dele?
Cena2
Quarto imundo com um homem de barba e roupa velhas num
colchão, bitucas de cigarro espalhadas por todo lado.
Amigo chato: _E aí rubão.
Esquizofrênico: _E aí, chega mais, vitão.
Amigo chato: _Como tão as coisas?
Esquizofrênico: _Tranquilo.
Amigo chato: _Cara tá um nojo seu quarto, você precisa fumar
menos. Tá fumando cinco maços? E essa barba? Olha esse colchão, imundo. E suas
roupas, outro dia você tava cagado, Rubão, cagado. E não sai mais. Fica aqui só
no seu quarto. Se não fosse os seus pais você já tinha virado mendigo.
Esquizofrênico: _Eu sei vitão, é que tá meio difícil.
Amigo chato: _Difícil?! Pra você! Cara, você tem mó vida
boa, ganha mesada de dois barão até hoje. Podia ter mó vida de playboy. Mas
não, você torra quase toda grana em cigarro. Cinco maços! Você fuma até quando
toma banho, Rubão.
Esquizofrênico: _É eu sei, eu vou melhorar.
Amigo chato: _Cara, você entrou duas vezes na Usp, podia já
tá no doutorado. Você é um cara inteligente. Porque você acha que eu sou seu
amigo?
Esquizofrênico: _Eu sei, Vitão, mas...
Amigo chato: _Mas nada, você abandonou os estudos logo no
primeiro ano. Duas vezes! Cara, você é um cara tão inteligente. Tem a vida
ganha. Tinha carro, apartamento, faculdade...
Esquizofrênico: _Eu sei, Vitão... mas eu surtei! (gritando).
Cena 3
“Cientistas acreditam que a origem do surto psicótico está
associada aos altos níveis de substâncias químicas cerebrais produzindo um aumento
de ligações sinápticas onde o indivíduo transborda sua realidade de modo
subjetivo a partir de si, passando a não mais diferenciar seu mundo interno do
exterior, como se estivesse perdido entre ele e as coisas, de um modo
perturbador”.
Aluno: _O que vê achou professor?
Acadêmico: _Da onde você tirou essas fontes?
Aluno: _Da minha cabeça.
Acadêmico: _Olha, Marcelo, achei muito interessante seu
texto, mas acho melhor você se orientar pelos livros que te passei: A história
da Loucura de Foucault; Goffman e Basaglia. Me faça uma síntese dos três e
conversamos no próximo encontro.
Aluno: _Tá bom. Eu estava pensando também em falar de Arthur
Bispo do Rosário.
Acadêmico: _Bem, se você vai falar do Bispo, o recorte é
outro. Você vai falar de arte ou de instituições totais? Apesar que o Bispo
produziu toda sua obra dentro de um manicômio... Pense bem, o que você não pode
é continuar escrevendo coisas da sua cabeça sem referências, você já está no
quarto ano da faculdade, sabe que não é assim que funciona a acadêmia. Meu
palpite é que faça uma síntese dos livros que te passei e voltamos a conversar
no próximo encontro. Não se preocupe ainda temos seis meses até a apresentação
do seu trabalho de conclusão. Vai dar tudo certo. Agora preciso ir.
Cena 4
Vozes:
-Cara, você tá louco?
-É louco ou come merda?
-Bicho, muito louco isso aí.
-Cê tá locão?
-Aquela mina é muito louca.
-Louquinha.
-Loucona!
-Tô louco por uma cerveja!
-Tô louco por você.
-Tá loco!
-Loucuras na minha cama.
-Você é meio doidinho.
(risos)
Cena 5
Mulher com semblante cansado:
“Eu sou sã. Nunca surtei, nunca tive um pití. Sou totalmente
funcional. Trabalho no banco das dez às quatro. Cuido dos meus filhos. Pago
meus impostos. Faço compras. Voto. Viajo duas vezes por ano. Cultivo a horta do
meu bairro. Tenho vida sexual como qualquer outra pessoa. Ouço música indiana.
Estou tentando aprender a tocar tambor... mas tenho depressão.
Pessoas como cascos ocos desfilam na minha frente da hora em
que eu acordo até a hora de dormir. Às vezes sinto vontade de não sair mais da
cama, não tomar banho. Vazia. Talvez não me entendam, nem meu esforço, mesmo
agora que estou melhor. Tomo meus remédios regularmente, necessito deles. Pelo
menos até agora.
Com pessoas que não conheço não tenho motivo pra me abrir.
Pessoas preconceituosas estão o tempo todo, dentro de nós mesmos, mesmo quando
não percebemos. Por isso digo: Sou uma pessoa normal.”
Cena 6
Bipolar: _Bom dia, mãe.
Mãe: _Bom dia.
Bipolar: _Dormiu bem?
Mãe: _Dormi (mãe com olho roxo).
Bipolar: _Mãe, queria te pedir desculpas por ontem... Eu
estou arrependido. É que às vezes você é tão negativa... Mas eu não podia ter
te agredido, desculpa mãe (da um beijo no rosto).
Mãe: _Tudo bem, filho.
Bipolar: _Estou fazendo uma ilustração para um livro, vou lá
pegar pra te mostrar. (volta com o desenho na mão). Veja mãe, o que acha?
Mãe: _Está acabado?
Bipolar: _Só falta colorir, por que, você não gostou? Pode
falar... você não gostou! Aliás, nada do que eu faço você gosta. Você só gosta
das coisas do seu filhinho mais novo! Eu, você só critica. Desde criança é
assim (aumentando o tom de voz), você nunca tece um elogio, nunca vê nada de
bom, mas o filhinho mais novo... Ah esse é bom! Mãe, eu estou tentando! Eu sou
um profissional, os editores adoraram o desenho... E você, sempre me
criticando. Desde criança a senhora é assim. Nunca, nunca, um elogio! (levanta
a mesa quebrando tudo. A mãe sai da cozinha).
Dia seguinte no café da manhã:
Bipolar: _Bom dia, mãe.
Mãe: _Bom dia.
Bipolar: _Dormiu bem?
Mãe: _Sua bipolaridade está me matando.
Cena 7
Senhor: _Eu tenho pânico. Pânico de entrar no elevador, no
avião, em lugares fechados. E sei que não adianta tentar ser racional, eu tenho
pânico.
Moço: _Eu tenho toque. Não gosto que toquem em mim. Lavo as
mãos vinte vezes por dia. Se há alguma coisa fora da simetria, isso me agonia.
Mulher: _Eu sou viciada em sexo. Nunca me sacio. É como ter
sede de um copo vazio. Mas não aceito o termo ninfomaníaca.
Criança: _Eu tenho uma doença rara que ainda não decorei o
nome. Tenho mania de cuspir e falar o que me dá na telha, mas sou muito
estudioso. Tenho oito anos.
Normal: _Caralho! Não tem uma pessoa normal nesse grupo!
Será que ninguém pode simplesmente ter uma história sem precisar ser doente?
Criança: _O problema é quando você passa por uma consulta
psiquiátrica, dali pra frente nunca mais se é o mesmo.
Normal: _Mas então, só porque eles dizem que vocês não são
normais vocês passam a não ser?
Mulher: _Como assim?
Normal: _Eles dizem o que vocês têm e creditam simplesmente.
Não pensam mais por si mesmos?
Coro: _Eles são especialistas.
Cena 8
Garota (irmã do suicida):
“Ei, onde estou? (barulho de cigarras). Aqui é o mundo de
Alice? Eu não me chamo Alice. Devo ter passado algum portal, este bosque não
parece ser muito normal. Mas como? Até a pouco estava tudo bem, passeando com
meus colegas... E me abandonaram aqui nesta praça, sozinha. Está frio, estou
precisando de uma xícara de chá... Maldito chá que tomamos, deve ser por isso
que estou sozinha. Ou será porque não tinha ninguém comigo? Sinto falta da
minha mãe. A quanto tempo não a vejo. Meu pai. Não aquento mais esse colégio,
minha tia, Lições de casa, aulas de inglês... Queria ser Alice, deve ser tão
bom abandonar os compromissos. Mas não. Não estou louca, só fui abandonada por
meus colegas”.
_É diferente quando você não tem mais escolha.
Garota: _Quem está falando?
_O bosque fala por si só.
Garota: _Caramba! O chá ainda tá fazendo efeito. Me diga,
bosque, o que você quis dizer com falta de escolha?
_Alguns estão presos.
Garota: _Não há saída?
_Não. Cada um é um portal. Você por exemplo, já está louca,
só não percebe isso ainda.
Garota: _Eu, louca? Acho que não! Eu estou sobre efeito de
um psicotrópico, isso é muito diferente.
_E por que você acha que seus colegas te abandonaram?
Cena 9
Amigas:
_O que você acha? Conto ou não conto?
_O que?
_Conto pra ele que sou doente mental, que tenho transtorno?
_Você é que sabe.
_Eu sei? Como vou saber se a pessoa tem um preconceito
desses? E só estamos saindo há três meses. Não sei se devo arriscar.
_Olha, se ele não te aceitar como você é melhor ficar sem
ele.
_Mas calma, também não sei se devo falar. E se ele ficou com
aquela ideia errada de Psicose quando era criança. Acho que posso primeiro
situar ele nesse universo.
_Bem, você quem sabe.
_Ele pode ficar com medo de mim.
_Imagina! Só se for louco.
_Mas é, é disso que tenho medo. De que ele tenha medo de
mim.
_Ora, bobagem, você já está exagerando.
_Exagero?! As pessoas mal sabem a diferença entre doentes
mentais e psicopatas!
_Sim, é verdade. Mas você conhece esse cara.
_Mais ou menos.
_Como assim?
_Às vezes acho ele meio esquisito.
Cena 10
Se você perguntar pra um suicida, do que ele tem mais medo
ao tentar se suicidar, certamente dirá: “do vexame de não ter conseguido”.
Mãe: _ Filho, que aconteceu, te amarraram... Enfermeira, por
que meu filho está amarrado!
Enfermeira: _Calma, moça, já vamos soltá-lo.
Mãe: _Filho, o médico disse que você tentou de novo. Por que
filho, por que. Seu pai já está chegando.
Pai: _Filho! Filhote, que que aconteceu? (abraçando o
filho). Filhote.
Mãe: _Suas tias e sua irmã já estão chegando.
Tias e irmã: _Oi.
Mãe: _Sua irmã avisou a Mirna...
Suicida: _Mirna, aquela fofoqueira!?
Mãe: _Calma, filho, ela só queria ajudar.
Suicida: _que merda...
Mãe: _Merda é você ter tentado se matar só para não tomar
remédio...
Suicida: _Mas não tentei, eu estava blefando, era só para os
guardas saírem.
Tia: _Alias quantos guardas hein, cinco carros de polícia.
Pai: _Calma, já passou.
Suicida: Agora todo mundo vai achar que eu tentei mesmo me
matar.
Pai: _Calma, filho. Não pensa nisso agora. O importante é
que você está vivo...
Suicida: _Mas eu não tentei me matar! Só estava blefando...
Pai: _Bem, se você ia ou não se matar isso não interessa a
mais ninguém. O que importa é que você está vivo. Você vai voltar a morar com a
sua mãe. Já paguei os alugueis atrasados da antiga casa e devolvi a chave.
Paguei também suas dívidas na faculdade. De agora em diante você não tem mais
motivos pra se matar. Daqui pra frente, vida nova. Vai te fazer bem a companhia
da sua mãe.
Suicida: _Mas pai, não acredito que você fez isso! Pagar as
dívidas eu agradeço, mas nem fodendo que volto a morar com a mamãe. Eu tenho
uma vida! Só não queria tomar aqueles remédios. Eles me travam o cérebro! Não
vou voltar pra casa da mamãe!
Pai: _É isso ou você fica aqui dentro internado por tempo
indeterminado.
Mãe: _Vai ser bom, filho. Você não sabe o quanto chorei esta
noite. Desta vez vamos nos dar bem, eu vou cuidar de você.
Tia: _ Bem, meu sobrinho, vê se descansa. Vamos indo eu e
sua irmã. Fica tranquilo, te visitamos lá na casa da sua mãe quando voltar.
Irmã: _Tchau!
Cena 11
Uma televisão ligada na frente de um homem hipnotizado.
TV: _Ei, você. Gostaria de passar alguns minutos comigo, só
nos dois?
Homem: Cara, que barato, a TV tá falando comigo.
TV: _Caramba, ele nos sintonizou? O que fazemos agora?
Conversamos com ele! Olá, bem vindo ao mundo das coisas que não fazem sentido.
Homem: Caramba! Você fala mesmo.
TV: _Achamos pro seu próprio bem, não espalhar esta notícia.
Homem: Mas por que não? É um barato!
TV: _Gente, o que fazemos com ele? (falando baixinho). Já
sei, voltemos aos comerciais: “Que tal uma massagem, do jeito que o diabo
gosta...”
Homem: Caramba, ela piscou pra mim.
TV: _Não está dando certo. Ele está antenado demais! Que
fazemos?
Homem: cara, essa TV fala muito.
Cena 12
_Por que será que o tempo de fora é diferente do tempo de dentro?
Por que ansioso não se consegue fazer nada direito e relaxado, perdemos a hora?
Será que as coisas também não são assim? Será que não se encolhem e expandem
conforme os momentos de cada um? Ou será que estou viajando?
Estranho: _Eu tenho uma opinião.
_Qual?
Estranho: _Que esse
tipo de pensamento não vai chegar a lugar nenhum!
_Mas, calma. Eu mal comecei a pensar.
Estranho: _Justamente, você é do tipo que pensa. Isso
atrapalha. Lá fora o mundo gira porque existem pessoas trabalhando, fazendo.
São ações coordenadas para a produção. Um sistema. Tudo tem um propósito, um
fim. Nada é desconsiderado. E aqueles que pensam demais, se atrapalham.
_Mas espere aí, eu sou um bicho que pensa.
Estranho: _Sim, é verdade, somos seres pensantes. Mas tudo
tem sua hora, seu motivo. Não se pode pensar a todo tempo, não é funcional.
Para isso existem as escolas, que nos ensinam somente o necessário para
produzirmos. Imagine se cada pessoa ao nascer começa a evoluir por ideias
próprias. Logo toda organização social perderia o vigor.
_E se não posso pensar, o que devo fazer?
Estranho: _Não disse que não deve pensar. Deve pensar e ser
produtivo. Pessoas que só pensam, com exceção aos filósofos, não tem função na
sociedade, são descartados. Com você ainda é possível dialogar. Mas cuidado,
pensar de mais pode o deixar louco. Procure uma profissão, colabore com a
sociedade, seja um cara produtivo. E tudo ficará bem.
_Quem é você?
Estranho: _Um amigo.
Cena13
Estudante: _Cara, tô lendo um livro genial...
Colegial: _Qual?
Estudante: _O lobo da estepe. Mano, eu sou o lobo da
estepe...
Colegial: _Sei, eu também comecei a ler este livro, mas daí
quando cheguei no segundo capítulo: “só para loucos” resolvi abandonar.
Estudante: _Serio?
Colegial: _Serio. Já trazia no colégio toda aquela carga de
cara maluquinho, falei, esse livro não é pra mim.
Estudante: _Sei.
Colegial: _E todos os caras me tratavam diferente, como se
eu fosse um estranho...
Estudante: _Bem, na verdade não sei também se sou exatamente
o lobo da estepe...
Colegial: _É né.
Estudante: _Mas é um livro muito bem escrito.
Colegial: _Ah tá.
Estudante: _Bem vamos jogar bola?
Colegial: _Demorou.
Cena 14
Artista: _E Deus? Já reparou que é o primeiro que vimos
quando surtamos? Quando deixamos a realidade para traz e nos fundimos com o
todo? E aqueles crentes, nos querem longe como se fossemos vermes. E seguem o
padre como a um cego. Será que está tudo certo? Ou tem medo de nós, ou do que
sabemos? Mas o problema é que no momento em que nos descobrimos, somos taxados
de loucos, passamos a viver como seres sem conhecimento, desconsiderados de
antemão. Nossas falas são proibidas, existe uma censura invisível...
Doutor: _Perfeito! Dá pra falar só um pouco mais alto? Olha,
se você repetir isso no dia da manifestação, tá ótimo. Isso mesmo, com suas
palavras, sua emoção.
Artista: _Você acha que deveria escrever as ideias no papel,
doutor?
Doutor: _Faça como achar melhor. Escrever as ideias é bom
para não se perder, mas fica ao seu critério.
Artista: _Mas você sabe que eu não sou louco, não é doutor?!
Doutor: _Claro, Armando! Não deve ter vergonha ser ex
usuário do CAPS.
Artista: _Eu faço teatro.
Doutor: _É mesmo? Que legal. Aliás, estamos com um grupo
especial de teatro aqui no CAPS, se você quiser voltar.
Artista: _Não, doutor, eu sou ator de verdade.
Doutor: _Bom, então venha e nos dê a honra da sua presença.
Artista: _Vou pensar.
Doutor: _Pense! Pense e venha. O CAPS está de portas
abertas. E sobre suas falas, não pense muito sobre isso. Seja espontâneo no dia
do protesto. O que importa é você ser você mesmo.
Artista: _Mas eu sou ator.
Cena 15
“Os psicanalistas gostam de usar a imagem de um bosque para
o inconsciente por ser um local cheio de vida, podendo ser mais fechado, ter
clareiras, vida, umidade... Tudo o que captamos do mundo passa a viver nesse
ambiente, sem ele não existiríamos”.
Acadêmico: _Cadê as referencias, Fernando! Eu já te disse,
faça um resumo dos livros que te passei...
Aluno: _Eu sei, professor, mas acho que não faz sentido meu
trabalho se não começar com este texto.
Acadêmico: _Tudo bem (pausa). Escreva tudo o que quiser.
Tire tudo da sua cachola. Vamos começar do inicio. Esse trabalho vai me dar
mais trabalho do que eu pensava. Nos vemos daqui duas semanas.
Aluno: _Obrigado, professor.
Cena16
Garota: _E como saio daqui? Parece que fecharam o parque.
Vou procurar algum segurança. Alôou! Êi! Tem alguém aí! Êi! (pausa) Estou
sozinha mesmo. Neste bosque maldito. Espere, não posso passar a noite aqui. Êi!
Socorro! Ei, tem alguém aí! Meu deus, podem ter bichos aqui, e esse frio! Eeei!
Tem alguém aí! Me deus, caramba! Que frio! Não pode ser, porque sempre essas
coisas acontecem comigo.
Alguns minutos depois:
Guarda feminina: _Menina, que que você tá fazendo aqui
dentro? Vamos, vou levar você até o portão. Você tá bem? Tá pálida (pega o
interfone e pede ajuda). _Alou, por favor, tem alguém ainda na enfermaria?
Estou com uma garota perdida aqui na Ala 9, está muito pálida, preciso que
tragam ajuda. Calma, qual seu nome? que aconteceu? Alou! Ela parece que está em
choque. Onde estão seus pais? Rápido, ela está em choque!
Policial: _Cadê a mãe da infeliz?
Guarda feminina: _Não conseguimos descobrir. Vamos ter que
leva-la a um pronto socorro.
Policial: _Você sabe que se ela ficar lá em choque mais de
uma semana, transferem ela direto para um manicômio...
Guarda feminina: _Bem, na rua ela não pode ficar.
Policial: _Então vamos. _Som do carro de polícia até o
pronto socorro.
Cena 17
Mãe: A Nize não voltou ontem à noite da excursão. Você tem
notícia dela , Alfredo?
Pai: Não voltou? Você tentou ligar para a amiga dela, a
Aninha?
Liguei. Os pais da Aninha disseram que ela também não passou
a noite lá. Eu estou preocupada, Alfredo. Você sabe que a Nize não é muito
responsável.
Pai: Eu sei, mas pode não ser nada. Não vamos nos preocupar
ainda.
Mãe: Estou tentando. Até ela voltar pra casa... Bem,
qualquer notícia me ligue.
Cena 18
No pronto socorro psiquiátrico:
Enfermeira1: Nossa, que menina bonita. Bem diferente dos
mendigos que aparecem aqui.
Enfermeira2: É, disseram que está perdida. Não estão
localizando os pais dela. Se ela não sair do choque, pode vir a ser internada
como indigente.
Enfermeira: tadinha! Tomara que ela saia logo do surto. Uma
menina tão bonita...
Enfermeira2: Sim. Tomara.
Narrador: _Os dias passam rápido na cama de Nize. Os sons
dos aviões acima do pronto socorro psiquiátrico, são entendidos por ela, como
sons de uma nave, que viaja dia e noite sentido à Terra, ainda muito distante.
Dentro de si, não está mais em seu planeta. Todas as coisas não são mais
naturais a ela. É como se estivesse num grande teatro, em que os personagens
representados numa grande conspiração extra terrestre.
Psiquiatra: _Estamos dando a quantidade máxima diária de
antipsicóticos para ver se ela reage. Vamos ver.
Cena 19
Mãe (chorando): _Três dias! Três dias, Alfredo, e não
achamos nossa menina... Onde está nossa menina, Alfredo?
Pai (abraçando a ex mulher): _Calma. Ela vai voltar. Não é a
primeira vez que ela some e não dá notícias.
Mãe: _Três dias! Ela nunca ficou fora tanto tempo sem
avisar! Ela é uma menina, tem dezessete anos, Alfredo!
Pai: _Vamos achá-la. Você precisa se acalmar...
Mãe: _Acalmar!? Acalmar, Alfredo?! Nossa filha some três
dias e você me pede pra eu aclamar?! (desata a chorar. Ambos se abraçam)
Cena 20
Psiquiatra: _Estou começando a ficar preocupado com essa
menina. Já é o quinto dia e os remédios não respondem. Onde estão os pais dessa
garota?
Enfermeira: _Ninguém apareceu até agora, doutor. Você acha
que vão interna-la?
Psiquiatra: _ Bem, Márcia, se não aparecer ninguém aqui
responsável por ela, não temos o que fazer. Só podemos ficar com pacientes até
uma semana. Depois, se ela não melhorar, vamos ter que encaminha-la para um
manicômio.
Enfermeira: _ Mas ela parece ter família, doutor.
Psiquiatra: _Quando ela chegou aqui estava com que roupas?
Enfermeira: _Roupas de colégio...
Psiquiatra: _Vocês tem as roupas ainda?
Enfermeira: _Sim, estão guardadas.
Narrador: _Existem indícios que em alguns manicômios, como o
do Juquerí, os corpos dos indigentes eram vendidos como órgãos para faculdades
de medicina.
Cena 21
Tia: _Maria, minha irmã (abraçando). Estou tão preocupada
com a Nize. Tenho rezado tanto para ela voltar...
Mãe (tentando controlar o choro): _Eu também, Silvia, onde
está minha menina!
Irmão: _Mãe, mãe! Prece que acharam a Nize! Parece que ela
esta num pronto socorro psiquiátrico.
Tia: _Serio? _Abraçam-se as duas chorando.
Mão: _Filho, liga pro seu pai!
Cena 22
Vizinho: _Você viu aquele vizinho
Suicida: _Quem?
Vizinho: _Aquele lá da nossa rua, do lado da sua casa.
Então, ele tentou se matar.
Suicida: _Serio?
Vizinho: _Você não viu? Foi ambulância, cinco carros de
polícia! O bairro inteiro já sabe.
Suicida: _É mesmo?
Vizinho: _Serio. Não entendo o que pode fazer uma pessoa
tentar se matar, acho que é cabeça fraca, não acha?
Suicida: _Pode ser.
Vizinho: _É alguém que mora do lado da sua casa. Fóda!
(pausa) Bom, já vou indo. Cara, vê depois aquele filme que te falei, psicodelia
pura.
Suicida: _Beleza, até outra hora.
Vizinho: _Abraço.
Cena 23
Poeta: _Enlouquecer, é como sair do papel, se dissolver
tinta sobre tinta, uma alegria vaga, um lampejo no meio do nada. E toda rima se
perde, perde a base e já não tem. Não tem aviso, não tem poema. Somente aquele
céu. Imenso. Agonizante. Que engoliu seus versos, que rasgou o papel (pausa).
Com licença senhora, gostaria de comprar um livro auto-fabricado meu de poesias?
Senhora: _Desculpe moço, lindo seu poema, mas só tô com o
dinheiro do café.
Poeta: _Senhor, (em outra mesa) gostaria de ver meu
trabalho, sou poeta...
Senhor: _Não, não, obrigado!
Poeta: _Moça, (outra mesa) aliás, que moça! Gosta de
poesias?
Moça: _Olha, gatinho, não muito, mas mostra um poema pra
mim.
Poeta: _Miau Miau! Miau Miau! A gatinha me cutucou. Meu
deus, estou no céu, a gatinha não gosta de poesia, mas toco gaita, teclado e
violão. Hoje a noite vai ter samba encima do meu colchão...
Moça: _Que horror! Cê pirou?!
Cena 24
Mãe: _Graças a deus, nossa filha está bem! De novo nós aqui
neste hospital. O que acontece com nossos filhos? Será que eu fiz algo de
errado pra merecer isto?
Pai: _Não fale assim, eles não tem culpa. São nossos filhos.
O problema é a genética da sua mãe, ela sim infectou nossa família!
Mãe: _Ora! Não venha falar de mamãe agora. Ela é uma pobre
coitada, que vivia surtando e causando transtorno pra família. E se pensar bem
seu pai também nunca foi normal, com aquele senso de humor esquisito, mania de
comer comida estragada, e aquele mistério de escrever o maior número de
palavras em papeizinhos minúsculos, nunca entendi aquilo.
Pai: _Calma, vai ficar tudo bem. Estamos exaltados, precisamos
nos controlar. Ouvi dizer que nosso filho está bem melhor.
Mãe: _Sim, agora eu o obrigo a tomar os remédios. Fica meio
dopado, mas é melhor do que...
Pai: _Claro. Preciso um dia ir lá vê-lo. O que está
acontecendo com nossos bichinhos? (pausa) Bem e aí? Vamos entrar no quarto?
Mãe: _Sim precisamos ver nossa menina.
Pais entrando no quarto do pronto socorro psiquiátrico:
Pais: Filha! (abraçam-na)
Filha (tonta e com dificuldade de falar): _Pai, mãe?
Mãe: _Ficamos tão preocupados, filha (chorando). Não
achávamos você em nenhum lugar. Dá um abraço na sua mãe.
Pai: _Filhota! Mas você tá bem. Aquele médico que nos
avisou. Disse que você estava em choque, mas que graças a deus você no último
dia respondeu a medicação.
Mãe: _Filha, ele disse que você tem a mesma doença da sua
avó.
Pai: _Mas não vamos falar sobre isso agora. Vamos, linda,
tome um banho, se vista e vamos para casa.
Filha (com a boca torta): _Tá bom.
Cena 25
Aluno: _“É preciso, depois de ter surtado, recomeçar. Isso
demora anos, às vezes mais que uma década. E a arte pode ajudar muito...”
Esquizofrênico: _Cara, ouve só esse som que eu gravei: (som
ensurdecedor dissonante).
Amigo chato: _Caramba, veio, desliga isso!
Esquizofrênico: _Cara, voltei a me relacionar, conheci uma
venezuelana e duas italianas pela internet.
Amigo chato: _Mas cara, você quase não sai do seu quarto. Só
fica o dia inteiro nesse computador.
Esquizofrênico: _Eu sei. Mas tá me fazendo bem. Cara, tô
voltando a viver. Olha esse outro som que gravei: (som alto dissonante sem
ritmo). Cara, tô bem melhor agora, acho que os deuses da arte me abençoaram...
Veja eu tenho uns poemas também: “Rasante de ritmos, no silêncio um ronco sai
do monstro. Desconstruindo a ponte, vem a arte, que loucura! ela grita. Sou a ninfa imperatriz, me possua de um jeito
louco, quero viver eternamente em seus braços.”
Mulher (ninfomaníaca): _Eu gostei!
Criança: _É infantil, mas é bom.
Senhor com síndrome do pânico: _Preciso sair daqui, é meio
claustrofóbico.
Normal: _Ah, tá vendo gente, no fundo somos todos normais.
Amigas:
_Quer saber, amiga, vou falar a verdade pra ele... Tenho tique sim!
_Mas ele não percebeu?
_Eu tenho meus truques, ninguém percebe.
_Eu percebo! Olha como você pisca o olho. Tá na cara. Você é
louca se acha que ele não percebeu.
_Serio?
_Normal. Eu por exemplo também tenho umas manias.
_ Como o que?
_Vamos lá pra casa que te mostro... Eu coleciono pessoas
mortas.
_AHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!
_Calma, boba! Brincadeira.
Acadêmico: _Desgraçado, custa seguir a bibliografia? Que
será que ele quis dizer neste texto: “Deste modo a loucura, além de doença e
alienação, pode ser entendida como uma segunda chance, onde nem sempre o
indivíduo através de sua história de vida pôde, inicialmente, achar os melhores
caminhos pra si. Agora tem a chance de recomeçar.” Que será que ele quis dizer
com isso?
Cena 26
Doutor: _Aê! Chegou o dia. Onde está nosso ator?
(procurando) Caramba que que ele tá parado ali no palco? Ele não fala nada. Tá
meio pálido. Rose, tem certeza que esse cara é ator profissional?
Assistente: _Foi o que ele me disse.
Doutor: _Caramba, ele travou. Que vamos fazer agora?
Assistente: _Calma, ele vai se soltar... Qualquer coisa a
gente pôe outra coisa no lugar... Pronto!
Artista: _Vocês sabem quem são os verdadeiros loucos...
Doutor: _Ufa! (relaxando)
Artista: _São aqueles que negam a sua loucura! Em cada um de
nós existe um louco. A lógica também está inserida dentro de nós quando
surtamos. A lógica, não a razão. Viver é mais que usar a razão. É deixar nosso
cérebro passar por uma fenda que todo dia se abre e a ignoramos. Se
continuarmos negando a nós mesmos esse prazer, sim, é um prazer! Estaremos
fadados a perder o sumo da vida, como objetos inanimados...
Doutor: _Muito bom! É ótimo esse cara.
Assistente: _Será que ele é ator profissional mesmo?
Doutor: _Isso não importa. Mas é muito bom. Muito bom.
Artista: _Eu trouxe um poema para ler hoje, se chama: “As
velas da noite: As velas da noite estão acesas/ não importa de que maneira/ a
escuridão permeia/ do chão à constelação/ não se pode ver/ com olhos vendados/
mas as velas estão acesas.”